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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

A espera

Não se sabe ao certo quanto tempo ela ficou ali. Engessada pelo tempo... Seus olhos já não brilhavam mais. Esteve a espera de algo que nunca lhe foi prometido, mas sempre esperado. Dentro do seu coração ela sabia que o dia chegaria.
No cair da noite, ela se preparou. Tomou um longo banho, deixou a espuma fazer seu trabalho por todas as partes do corpo. Se secou como se secasse a uma criatura cuja a pele não poderia ser violada nem pelo toque da toalha. Tentou acalmar o coração pensando em coisas leves, mas coração com as expectativas que contia esse não se acalma, se agita a cada passar de segundo. O perfume suave, porém marcante, foi borrifado na nuca e nos pulsos, talvez um ato involuntário, mas resignado de uma submissa. Locais específicos. Coleira e imobilizadores. O vestido... escolheu um que lhe caía bem, mas que fosse fácil de tirar, que não necessitasse de manual. Unhas bem pintadas. Pés e mãos. Cada detalhe escolhido e pensado para agradar. Uma sandália de pouco salto, mas que lhe dava elegância e postura.

Os seus pensamentos atravessavam caminhos inexploráveis em busca de um possível encontro com os pensamentos Dele, mas em vão. Era preciso muito mais do que querer para isso acontecer. Algo não ia bem no seu interior. Uma dúvida, uma incerteza plainavam como uma nuvem negra, mas era preciso ter fé, acreditar que tudo daria certo. Isso as vezes acontecia com ela, não acreditava que o que a esperava era merecedor.
Por ironia, esse era o único momento em que seu coração se aquietava.
Tudo pronto. Cabelo, roupas, unhas, corpo, sentimentos e alma.
Confere mais uma vez as coordenadas para chegar ao local combinado. Agora é só fazer tudo certo. Esperar Ele chegar.

Por que Ele não chega? Ele nunca se atrasa, sempre avisa quando acontece algum imprevisto. Tenta ligar pra saber o que houve e nada... O que resta é esperar...
Passam-se 2 horas. Ela não sabe o que fazer. E se sair e Ele chegar? É melhor esperar mais um pouco.
O dia começa nascer. A espera dá lugar a uma tristeza que não se mede. Mas ela não poderia sair dali, e se Ele chegasse??
A partir daquele instante ela resolveu que o esperaria, demorasse o tempo que fosse, sem comida, sem companhia, sem água. Ela estaria acompanhada apenas da sua esperança.
O lugar onde ela estava era um pouco descampado, perto de um rio, mas havia uma casa, era lá que estava e lá que decidira ficar. Nada nem ninguém por perto. 


Mas ela resistia bravamente. Ele aparecerá.
Dias. Semanas. Meses. Ninguém sabia de seu paradeiro. Aprendeu a se virar sozinha para tudo, até para suprir suas necessidades de submissão. A espera a acorrentou no tempo. As horas chicoteavam sua alma. Todos os dias ela O via entrar pela porta da sala, mas eram apenas seus desejos...


Após meses ela acreditava fielmente que Ele ainda chegaria. Em um de seus poucos momentos de lucidez ela vagava entre a imensa vontade de voltar para casa e o seu empenho de submissa, sua real condição enquanto mulher. Ela recordou de uma frase de Napoleão Bonaparte: "A vitória pertence ao mais persistente", e era nisso que ela se firmava todos os dias.
Não se sabe ao certo quanto tempo ela ficou ali. Engessada pelo tempo... Seus olhos já não brilhavam mais. Esteve a espera de algo que nunca lhe foi prometido, mas sempre esperado. Dentro do seu coração ela sabia que o dia chegaria... Sim, nada havia sido prometido, mas ela acreditou.


Ele sabia que ela O esperaria, mesmo que não ordenasse isso, mesmo que Ele próprio não quisesse isso. Mas de alguma forma se sentiu responsável pelo sumiço dela e pelo que conhecia daquela mulher sabia que aquela solidão se tornara sua prisão, seu castigo maior, nada poderia ser mais cruel.


Decide procurar por ela, não pela culpa que sentia, mas pela vontade desesperada de saber se realmente ela havia permanecido a Sua espera. 
Ao longe pode ver a sombra de um resto de mulher na varanda da casa. Maltrapilha e sem cor. Mas com um sorriso no canto do rosto. Era ali naquele cantinho da boca que ela ainda guardava a esperança, a lembrança, o cheiro, o gosto do homem que despertou nela o brilho, a vida real. Ela conseguia suspirar a cada memória.


Ele chega. Se aproxima. Ela senti o seu cheiro e chora, se sentindo traída por seus pensamentos. Acredita que agora, depois de tanto tempo, a loucura tomou conta de uma vez por todas de seu discernimento. 
Sente um abraço quente, sente o cheiro fresco do perfume. Ouve: "Por que fez isso? Por que sumir?"
"Soube desde o primeiro minuto em que me vi nos seus braços que nada mais me importaria um dia, por mais que eu vivesse minha vida profissional, sentimental e qualquer outra vida que eu tivesse, não havia sentido perder tempo e energia nessas vidas. A verdade era uma só: se eu não pudesse viver para o Senhor de forma plena, não poderia ser inteira. Dizer que me anularia pelo Senhor é uma não-verdade depois de tanto tempo de reflexão. Não vejo dessa forma. A partir do momento em que me descobri Sua, me anulei para todo o resto que não estivesse relacionado ao Senhor".


Como seria dali pra frente? Como não acolher aquela mulher que dedicou cada respiração a alguém que nem mesmo a queria a princípio? Nem em seus mais brilhantes sonhos poderia ter nas mãos a vida de alguém tão raro. Nem se vivesse 100 vidas encontraria de novo a serva mais devotada, aquela que se desfez, que se perdeu, que nasceu já em vida para uma vida que lhe tornaria eterna. O poder com o qual  aquela mulher lhe presenteou não se comparava com nada. 
Ali estava o equilíbrio perfeito. Leve, sincero, tranquilo e eterno.

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